Belém Novo Sitiado

Ambas as imagens apresentam uma vista de cima do chamado Bairro Belém Novo, um antigo e isolado bairro na zona sul rural de Porto Alegre.

A diferença entre as duas figuras são os destaques para os empreendimentos imobiliários que se achegam nos rodeios da localidade: um já instalado (o Terraville) e outro que, se depender das forças do mercado, se instalará no futuro, na Fazenda Arado Velho.

O bairro está a ficar sitiado pelos condomínios de luxo. Aliado a isso, esta jóia inestimável que pouquíssimas capitais possuem, a área rural, está a sucumbir frente à especulação imobiliária de uma gestão urbana entreguista. Observe abaixo a área que o novo projeto pretende se instalar: área rural e de proteção ambiental!

Tais empreendimentos não visam solucionar o déficit habitacional da cidade. Muito pelo contrário, visam um nicho mercadológico da classe alta, digamos, o nicho dos 5% mais ricos da cidade. Em um mundo utópico, não existem polêmicas em relação àquilo que os mais ricos fazem para usufruirem de seu estilo de vida. Mas em mundo real (e brasileiro!),  não se pode negar as externalidades e impactos negativos  que os 5% mais ricos da cidade transferem para o resto dos 95% sem atravessar os limites do cinismo.

Existe uma coleção rica de argumentos para se opor à “lógica” dos condomínios fechados. O simples conceito de uma cidade sustentável, aberta, democrática e participativa já consegue desmascarar a ótica mercadológica, anti-democrática e entreguista dos condomínios fechados.

No entanto, aqui eu vou me focar em alguns aspectos mais técnicos e ambientais, além de transmitir a magnitude do que se está sendo proposto para a área.

Condomínio de Luxo na Fazenda do Arado Velho: um breve dossiê. 

Megalomania. A palavra perfeita é essa: megalomania. Uma área aproximadamente igual à 260 campos de futebol dividida em três condomínios de luxo, um hotel e uma marina (sendo esses dois últimos não muito preocupantes). Para piorar: atropelando o Plano Diretor de Porto Alegre (PDDUA), engolindo a área rural da zona sul e espalhando-se em áreas de banhados e campos de várzea, onde se fará necessário aterro de cerca de 1 milhão de metros cúbicos de solo compactado.

Obviamente existem contrapartidas positivas (sic!). Eles apontam que vai sobrar um terreno para o DMAE, mais algum comércio local e minimização de impactos como na drenagem. Essa lógica não procede. Aliás, me parece um anti-lógica orwelliana: ao golpear o zoneamento estabelecido se faz um aceno para os impactos positivos. Me parece um vale-tudo.

Tudo produz impactos positivos, junto com os negativos. A questão em si não é essa, e sim o preço dos ditos “progressos e melhorias”. Vejamos bem:

  1. Conflito com a Estratégia de Qualificação Ambiental do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambietal de Porto Alegre (PDDUA – Plano Diretor). Observe abaixo que o projeto na Fazenda engloba uma grande área de Área de Proteção ao Ambiente Natural (APAN).

2. Nos dois mapas abaixo, fica explícito que o projeto avança sobre a APAN do PDDUA.

2.1 Atualização: mais três mapas que esclarecem a questão do empreendimento versus o Plano Diretor de Porto Alegre.

3. Simplificado em um mapa temático, observe a magnitude da nova ocupação projetada. A área ocupada é maior que o próprio bairro Belém Novo!

4. A questão do aterramento.  Como uma grande parte da área da Fazenda se encontra abaixo da cota (altura) mínima para escapar de uma cheia no Guaíba (risco de 1%), o DEP exige que se aterre. O cálculo do volume de aterro nas áreas baixas foi estimado em 1,2 milhões de metros cúbicos, usando-se a base altimétrica do município e fazendo-se o uso de software de geoprocessamento.

O poder dos especuladores é grande. O dinheiro deles, maior ainda. Mas frente à isso eu finalizo aqui com palavras que me soaram como música, que sonho com uma zona sul sustentável:

Belém Novo, Lajeado e Lami – Diferente do norte, altamente urbanizado, aqui correm áreas rurais com campos de várzea. A paisagem característica é de banhados com maricazais e terras baixas com presença de muitas plantas aquáticas, como aguapés. Mais ao sul, há presença de matas de restinga, por onde emergem enormes figueiras, circundadas por uma vegetação baixa, de campos manejados para a pecuária, em que é comum a presença de butiás e cactáceas.

Essas áreas permanecem com baixo grau de ocupação urbana, o que favorece a manutenção das suas características naturais. Abriga uma fauna rica, com muitas aves aquáticas e bandos de aves migratórias, indicando a qualidade do ambiente natural.

Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM), Diagnóstico Ambiental de Porto Alegre, 2006

Páginas do texto retirado:


Anexos:

Relatório de Impacto no Meio Ambiente:

https://www.dropbox.com/s/yu7gzndevdmtiyq/DHMA_RIMA_COMPLETO.pdf?dl=0


Fontes:

11 comentários sobre “Belém Novo Sitiado

  1. Concordo com a preservação da zona rural e da área rarefeita mas essa reportagem apenas salienta a especulação imobiliária da classe A !O que a câmara dos vereadores e Cuthab pretendem e acabar com as APAN e APPS e zona rural para receberem as propinas do Minha Casa Minha Vida com espiões de 5 a 6 andares nesta área .A cidade tem que expandir na forma compacta -no mundo inteiro e o rico q mora longe -o mais pobre e mais vulnerável tem que viver perto do seu trabalho não a duas horas de ônibus para ir e duas p voltar do seu trabalho !Q pena q não falaram das ocupações irregulares que se alastram justamente nessa área porque a prefeitura nada faz e o Plano Direto e alterado pelos vereadores!!!Salienta-se que as moradias sociais ai viraram 100por cento favela e o crime aumentou!Logo opor que não falam isto?Certamente está reportagem também interessa as moradias sociais de baixo padrão que não são nem de perto dignas apenas engordam os bolsos de quem as defende e não mora lá!!Cuidado reportagem falha !!!

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    1. Oi Neyla, sou o autor do post. Obrigado por comentar. Reconheço que a tua colocação é pertinente. Estou de acordo pleno quanto à desenvolver a cidade de maneira compacta e inteligente. No entanto, faço saber que esse post visa especificamente problematizar a questão dos condomínios de luxo megalomaníacos na região. Seja sempre bem vinda a comentar. Saudações.

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  2. A baixa renda migra em direção a região extremo sul da cidade a mercê da especulação imobiliária seja ela mostrando suas garras na Av. Tronco, Vila Dique e no entorno dos futuros Boubons que ainda estão por vir. A reportagem é boa porque mostra que rico também impactam o meio ambiente e vais me dizer que um milhão de m3 é pouco ? ou então os 1500 carros a mais vindo pro centro na hora do pico pela manhã não vai fazer diferença nas vias já saturadas da região sul ?

    Uma brasilia velha ou um BMW X5 ocupam o mesmo espaço na via e não estamos aqui pra dizer que esta classe social é melhor que a outra,

    Estamos em um momento de defender a zona rural seja ela de minha casa minha vida em regiões sem infraestrutura básica seja ela em áreas que deveriam se tornar parques municipais pela sua importância ambiental e paisagística.

    Somos contra alterações do PDDUA seja pra AEIS 3 ou esse tipo de empreendimento.

    O que se passa na regão está no docmentário;

    Instituto Econsciência

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  3. Isso, vamos expulsar a classe A para longe do bairro e lotar de casinhas do DEMHAB como já está em curso na entrada de Belém Novo com mil e tantos apertamentos. Corremos com o dinheiro e o desenvolvimento e criamos uma nova restinga velha no bairro.

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  4. A problemática dos apartamentos do DEMHAB está no que a Neyla falou acima. A realidade destas moradias de baixa renda, que já começaram a ser construídas na entrada de Belém Novo e que será só o começo, muitas outras virão, é que depois se transformarão em favelas, e com elas a violência, trafico de drogas vide vila tele tubis ao lado, restinga velha e restinga nova e muitas outras vilas que se formaram a partir dessas residências. É isso que queremos? Proibir a classe A de se instalar no bairro, mas permitir o subdesenvolvimento?

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  5. O discurso da preservação ambiental só vale contra a classe A? não vi ninguém falar nada da derrubada da mata nativa de maricá que existia ali e q foi dizimada.

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  6. Vamos criando entraves para a classe que tem condições de desenvolver o bairro e daqui há alguns anos corremos o risco daquela área do arado estar invadida por bolsões de miséria como já ocorre enfrente da fazenda ao largo da Estrada chapéu do Sol com Av. do Lami.

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    1. Caro Andre.

      Permita-me discordar de parte do seu ponto de vista. Seu argumento é bastante frágil. Existe uma incoerência lógica quando você reclama do desmatamento causado por loteamentos populares mas ao mesmo tempo advoga em favor da urbanização de alta classe. Ora, não seja ingênuo, a urbanização de alta classe trará impactos ambientais bastante severos. Se você é um autêntico defensor da natureza da região deveria em seu discurso combater energicamente os mega-condomínios, basta ler o post com atenção para entender a magnitude dos impactos ambientais.

      Pelo visto, no seu discurso é muito mais cômodo se indignar com os investimentos em moradia popular, que beneficia a classe C, do que com investimentos que favorece indivíduos da classe A. Peço para não levar essa crítica ao lado pessoal, mas por gentileza pense a respeito.

      Por fim, que fique bastante nítido que eu me oponho tanto aos condomínios de luxo quanto aos loteamentos populares no extremo sul de Porto Alegre. Por quê? Primeramente, por que AMBOS PIORAM a estrutura urbana de Porto Alegre, espalhando a população e criando condições de manutenção urbana cada vez mais onerosas ao Município (nosso bolso). Em segundo lugar, por que o extremo sul de Porto Alegre possui qualidades naturais que compõe um valioso recurso de biodiversidade, turístico e da produção rural (nosso bolso de novo).

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